domingo, 31 de agosto de 2008

Odeie o seu ódio?

Olhou para a assadeira que agora tinha o brilho reluzente de uma boa notícia. Não se refletia no brilho. Boa notícia de outrem. Passara os últimos momentos esfregando com a força e determinação de quem tenta se expurgar de sentimentos ruins. Tentou, em vão, eliminar a vermelhidão do rosto, manchado de raiva, mas não conseguiu transferir para seus dedos os calos que tinha em seu coração.
Entrou no chuveiro, sem esquecer-se da cena do dia anterior, que reverberou até a pia ficar tão vazia quanto se sentia agora, e procurou algo para eliminar-se de seus cravos, que tomavam as costas, cotovelos e a parte de trás de suas coxas. Precisava polir-se, da mesma forma que havia feito na cozinha, mas não conseguiu se desvencilhar da cena.

A notícia lhe caíra como uma comida que lhe faz mal de imediato, corroendo por dentro e reluzindo apenas no seu denunciante rosto.
Raiva e rancor tomaram conta de suas bochechas e idéias. O mundo ficou mudo e parado, enquanto a fala batia dentro de si como uma música de seqüências eletrônicas e extasiantes. Como sempre, escondeu-se na sua máscara preferida, que se usa de uma piada e da fama de boa pessoa para não transparecer seus piores sentimentos. A piada se valeu da sugestão de uma cena e que, se colocando como coadjuvante da situação, encontrou-se figurante, e sentiu o ridículo em si. Odiou-se. Odiou a quem não deveria odiar, e assim odiou-se novamente. E o mundo, que até então sumira, reaparecera para rir de sua pessoa, tirando toda e qualquer dúvida do ridículo em que se encontrava.

Esfregava-se agora com a fúria de quem se humilha e que tenta se limpar disso, mas parou ao perceber que estava com rancor a mais e quase uma camada de pele a menos.
A cena ainda reverberava. Encontrou-se, como sempre, na dualidade dos seus pensamentos, nos questionamentos duplos, na cena que sempre se enxergava: em meio a uma estrada deserta de mão única e duas opções, sem placas sobre o destino final, sentindo as árvores rindo-se ao pensarem que poderia ficar ali pela eternidade de sua dúvida, esperando o regresso de quem foi para contar-lhe o que vira e ajudar então a decidir seu caminho.

O brilho da assadeira não durará para sempre, em breve os cravos de suas costas retornarão e os cotovelos, de tanto segurar a força do dia a dia apoiado no queixo, voltarão a ficar espessos. A dúvida enfraquecerá, dando lugar a tantas outras. A cena no entanto, permanece, no receio, em evidências, na imaginação que cria situações mesmo quando estas são simplificadas pela fala do mesmo interlocutor.
A estrada também permanece. Até encontrar outra dúvida para se agarrar e viver o seu tão desejado sofrimento.