sábado, 15 de maio de 2010

O Roteiro

(Ex. Pós: usar as frases - em negrito - para criar um texto. Esse foi o resultado)

Marcelo chegou mais cedo ao ensaio disposto a questionar, outra vez, a qualidade do roteiro da peça. Ainda não sentira paixão naquele texto e, sem isso, dizia, não conseguia trabalhar.

O diretor, no entanto, mantinha-se firme na teoria de que as afirmações seriam tanto mais eficazes quanto mais calmo, tranquilo e não agressivo fosse o modo de fazer. Sem entrarem em um consenso, Marcelo concluiu que não havia outra maneira senão abandonar a peça.

Já na porta do teatro, virou-se para o diretor e os atores, enfurecido, e gritou “vão para o diabo sem mim, ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havermos de ir juntos?

O teatro se localizava em uma grande avenida de muros altos e inúmeras pichações. Entre expressões como “O amor é importante, porra” e “Fora FMI”, foi a frase de Ghandi: Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas sujas nele, não quer dizer que ele esteja sujo por completo, que reverberou dentro dele durante todo o dia. Quando adormeceu, acordou-se para dentro. Sonhou.

Reescreveu durante o sono todas as suas falas daquele roteiro insosso, mas não totalmente perdido. Na manhã seguinte, voltou ao teatro. Entregou a nova versão do roteiro ao diretor da peça e disse: “não há assuntos chatos, apenas escritores chatos”.

domingo, 4 de abril de 2010

Exercício pós - monólogo interior

Na sala de cinema daquela tarde quente de sábado, pouco mais de 20 pessoas assistiam à obra de José Saramago que Fernando Meirelles transformou em filme. Já passava dos 30 minutos iniciais e as cenas de pessoas e lugares deteriorados se intensificavam e causavam mal estar.
Entre banheiros fictícios imundos e disputas de personagens sem nome, o vibrar do telefone me puxou de volta à realidade. Relutante em atender, deixei que ele tocasse mais algumas vezes. Ele insistiu por mais um tempo. Deu então um suspiro final e parou. Uma mensagem no correio de voz.
Enquanto a mulher do médico transitava entre os cegos, no escuro meus dedos buscavam o botão que me traria a notícia. Pressionei-o e logo ocorreu o encontro com a voz aflita de minha mãe.
Não cheguei a escutar o recado até o final. Sua primeira frase me fez levantar subitamente da poltrona: "entraram em casa."
O telão sumiu. As fileiras de poltronas eram apenas obstáculos e apoios para os braços que equilibravam pernas cambaleantes.
Duas palavras e uma imagem somente corriam à minha frente: minha irmã.